Longão – toda a verdade!

No início da semana passada, ainda não estava refeita do Trail Noturno de Óbidos (23 km), quando recebo o plano de treinos para esta semana. Juro que pensei que fosse brincadeira do mister Armando ou que o corretor automático tivesse feito das suas. A pessoa sabe que quando se mete no treino para a maratona, a pessoa vai ter de correr. O problema é que o meu cérebro funciona como os filmes de Hollywood: 
- Primeira parte: a tartaruga que tem um sonho que pensa que nunca será capaz; 
- Segunda parte: aparece alguém que desafia e começam os treinos (fast foward nos treinos mas vê-se melhorias instantâneas em que a tartaruga nunca se cansa); 
- Terceira parte: breakdown, porque tem de existir algum drama e algum suspense sobre se as coisas vão ou não correr bem; no geral, também se enfia aqui a parte amorosa da cena e há toda uma choradeira (no meu caso não há nenhum galã mega sensualão, apenas um mister sádico que tenta criar as “50 sombras do atletismo amador”);
- Quarta parte: o final feliz! A tartaruga vira unicórnio e realiza o seu sonho e vivem todos felizes para sempre!
Bom, o meu filme tem sido mais um daqueles que se vê num festival de cinema Indie, que não se parece com nada disto. Ando a saltitar entre o “bora lá malta – Rocky Style” e o “Bambi, que só me apetece ganir”. E, foi ganir que me apeteceu, quando vi no plano de treinos 29 km! O máximo que já tinha corrido em estrada tinha sido a meia maratona (21 km) e fiz dois trails de 23 km. Claro que confirmei se não era erro e a realidade instalou-se quando vi os meus colegas de desafio super animados com o longão de 29 km. É gente que eu não entendo, não sei se bebe, se perdeu a sensibilidade à dor, se estão numa sociedade secreta em que têm um desafio maluco de km percorridos… sei que eles não partilham o que andam a tomar, mas andam sempre a sorrir e felizes e leves... *suspiro de inveja*
Esta semana vinha também com um desafio extra. Eu decidi ter vida social (YEY) e até pus nas restrições que ia ver os concertos do Festival do Sol da Caparica. Este velho corpo cansado já não aguenta noitadas como antigamente e cedo percebi que ia ter de fazer escolhas. Não ia conseguir ir aos concertos de sexta, e sábado comparecer no longo das 7 da manhã. Pior ainda: não sabia bem como, depois de fazer o longo, ia conseguir aguentar os concertos de sábado. Decisões difíceis que ninguém te conta que vais ter de fazer antes de te inscreveres numa maratona (vá contam, mas o neurónio suprime)! Ainda fiz uma sondagem ao mister, não fosse ele dizer “oh ninja aproveita a vida e vai curtir os concertos que o longo não interessa nada”, mas ele apenas disse “então e que propões?”. E pronto, banhada pela culpa de ser uma ovelha ranhosa que não cumpre os treinos e que arderá no fogo dos infernos da corrida, disse de mim para mim (e a alguns amigos), vou aos concertos mas domingo à tarde vai ser dia de longo. 
Claro que o Deus das corridas mandou logo a sua facadinha e começo a ouvir nas notícias “avizinha-se um aumento de temperatura com noites tropicais”. A sério? Mas, já me tinha decidido e promessa é divida. Bom… mas as dívidas podem ser negociadas, certo? Com a violência das noites de festa, o cansaço acumulado e o medo do desconhecido por nunca ter feito tantos kms, comecei a pensar que podia fazer talvez um mínimo de 20 até 25/26 km. Acho que teria um futuro no mercado financeiro...   
Mas nem tudo são más notícias! No meio de todo o meu queixume e de tentar perceber como ia fazer com abastecimentos de água e tralha para me alimentar, o Gonçalo diz: “mas queres que te vá dar os abastecimentos? Eu vou, na boa”. E é isto, minha gente! São estas coisas que aquecem o coração de um corredor. Isto e massagens nos pés. Senti-me uma profissional, ia correr e com uma lebre de bicicleta a garantir que tinha água e mantimentos durante todo o percurso. Um luxo!
Eis que chega o dia. Rezei para que a temperatura baixasse, mas acho que os meus créditos de ter ido à catequese não dão para estas coisas. Saí de casa e nem a conduzir se aguentava. Estavam 35 graus e eu não conseguia perceber como é que se ia operar o milagre de conseguir mexer as pernas, quanto mais correr. Conforme combinado, o Gonçalo já estava pronto, com um sorriso na cara e disse ”chill, vai correr tudo bem”. 
Ao fim de 4 km, parei no primeiro abastecimento e apeteceu-me ficar no carro. O vento era quente, o sol não se aguentava. Disse “eu não aguento isto” e ele disse “estás com uma postura impecável, anda”. 
Aos 8 km, mais um ponto de água. Mais uma vez, disse-lhe “não aguento isto, sinto-me bem de respiração, pernas bem também, mas sinto que peso 500 kg” e ele “é o calor, anda, chega de mimimis, estás impecável, tu consegues”. 
Não gosto de desiludir ninguém. Mas sobretudo se alguém se propõe a ajudar-me e perder uma tarde de domingo, pelo menos tenho de tentar dar o melhor de mim. E, com isto na cabeça, continuei. Também pensei em todos os outros que durante o fim-de-semana se preocuparam em saber se eu já tinha treinado, como tinha corrido. Já vos disse que sou uma abençoada? Acho que sim, mas não custa repetir. 
A temperatura foi baixando à medida que o sol se punha, e Lisboa abençoou-me com um pôr-do-sol fantástico, tornando o treino mágico. Ainda mais mágico porque a cada km que passava, fui ganhando confiança e senti-me cada vez melhor. O apoio de quem passa na rua, o relógio que começa a aproximar-se do objetivo e o meu companheiro que esteve sempre ao meu lado e que ia dando notícias aos que de longe também estavam perto - INDISCRITÍVEL. 
“A partir dos 23 é lucro”. E a partir dos 23 foi uma alegria imensa. Senti-me bem e, dentro do possível, confortável. 
29 km, está feito! E nem mais um passo! Último km mais rápido para terminar com a sensação que poderia continuar a correr. Dá motivação para treinos futuros e aumenta a confiança (dizem). Consegui! PBT aos 24, 25, 26, 27, 28 e 29 km (ahahah) – Céu eu sei que não existem PBT’s nestas distâncias, mas deixa-me celebrar na mesma e até levo comida para a pista, se for necessário. 
Estou orgulhosa! Sei que isto foi uma pequena batalha vencida, que ainda tenho muitos mais kms para percorrer e que não há fast foward neste percurso. Hoje começa uma nova semana de treinos, mas se acreditarmos, trabalharmos e tivermos rodeados de pessoas do bem, conseguimos mover montanhas!



P.S. Numa semana em que o pensamento de fazer 29 km me assombrava, o facebook foi relembrando a preparação de uma meia maratona, em que celebrava treinos longos de 8 km (o nosso cérebro adapta-se…). 

*Mountains – Carolina Deslandes*

Comentários

  1. Como assim, não há PBTs aos 24, 25, 26, etc? Tem que haver! :)
    Vais ver que o próximo longão vai parecer muito mais fácil. Sim, porque há mais longões no plano... :D

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