The Dark Side

Voltei! Eu sei, eu sei... estavam todos já a pedir à Polícia Judiciária para investigar o meu desaparecimento, mas nada temam que eu estou aqui. 

Bom, se calhar a maioria não deu por nada, mas de facto não tenho publicado as minhas aventuras rumo à maratona. E porquê? Porque eu sigo o lema “se não tens nada de positivo a dizer, não digas”. Contudo, e agora que a cabeça já voltou ao sítio, decidi partilhar o lado negro da cena. 

Decidi partilhar esta fase menos boa, não porque quero palmadinhas no ombro, nem que me oiçam os mimimis, mas porque penso que é importante para quem passa, passou ou passará por este percurso perceber que provavelmente estas fases más irão surgir. Detesto aquelas pessoas que parecem feitas de cera e que está sempre tudo bem e super frescas e saudáveis. Fico mesmo enraivecida. Desejo coisas más, tipo alface no dente da frente num jantar de grupo! 

Que se passou então? Com o aumento do número de kms, ficamos cansados, física e psicologicamente. À primeira vista não se dá por isso. Mas o ter um plano a cumprir, o estar sempre com fome e sono e algum desconforto muscular, limitações da vida social, o S. Pedro super querido que continua a ligar o calorzinho no máximo.. a pessoa fica um bocadinho “xexé de la tete”. Começas a pensar que se calhar estás a treinar demais, pensas que se calhar estás é com falta de nutrientes, eventualmente não foste feito para longas distâncias e devias mudar de desporto, começas a comparar-te com outros (o que é frustrante porque não achei que o Kipchoge corresse assim tão mais depressa do que eu). 

Resumindo, na semana a seguir ao treino de 30 km, fiz um treino de 15 km, na segunda-feira, super leve e solta, mas no dia seguinte a tragédia aconteceu. Fui fazer 10 km, doía-me o corpo todo, ia a arrastar-me e porque, segundo a lei de Murphy, é sempre possível piorar, fui atropelada por um cão que ia a correr sem trela no passeio marítimo e esfolei-me toda. Bom, vim para casa lamber as feridas e apercebi-me que para além de arranhada, estava doente e cancelei os treinos seguintes. Na sexta, decidi ir testar a máquina. Ainda não me sentia eu, mas no dia a seguir tinha a mítica Meia das Lampas para fazer. E assim foi. Mais uma vez, o sacana do S. Pedro deu uma manhã fresca e com alguns chuviscos, mas na hora da prova decidiu abençoar a malta com um calor abrasador. Arranquei, mas confesso que quis desistir no primeiro km. Eu não estava a aproveitar a prova, uma prova que merece que todos a façam de tão boa que é. E, pela primeira vez na minha carreira de atleta de meia tigela, eu desisti de uma prova, ao passar na meta aos 13 km. Custou-me desistir e fiquei muito triste, mas olho para trás e fiz a escolha certa. Sabem aquele mantra que toda a gente diz “escuta o teu corpo” e lalala? Foi o que fiz. Ele também gritou comigo e foi até um bocado histérico, mas eu escutei e parei. 

Peguei aqui na “Je” e fui comer espetadas para a Madeira! Yey! Tirei férias e até levei o equipamento, mas ficou arrumadinho – não me lembrei do formato de cone que as montanhas têm... AH decidi também que nunca vou fazer aquele trail mega fofo na Madeira (vou tatuar no braço para não esquecer “MIUT NUNCA”)!  

Isto já foi há duas semanas. Entretanto voltei aos treinos, procurei os dois pulmões que tinha deixado para trás (sacanas que só me fogem) e já entrei na linha. 

E lições? Muitas! Estou a tentar ser mais meiga comigo e lembrar-me que eu sou apenas uma iniciada, aprendi a confiar no processo, aprendi que muitos mandam postas de pescada para o ar só porque sim, mas também muitos se preocupam e estão lá mesmo nos momentos mais escuros. 

Também aprendi a colocar as coisas em perspetiva. Na pior das hipóteses, posso não conseguir fazer a maratona. E então? Se não fosse um desafio, se não houvesse hipótese de correr mal, qual era a vitória?! Além disso, neste caminho todo já conquistei tanto, já fiz tantas coisas que pensei que nunca seria capaz – eu já fiz 30 km! Eu hoje levantei-me ás 6 da manhã para ir treinar... Props para mim! 

Por último, tive imensa gente a acompanhar-me e a mimar-me e a puxar-me para a frente. No fim disto tudo só posso estar grata. 

Não sei como é que as coisas vão correr, até porque não depende só de mim, mas neste momento o balanço é que está a valer a pena. 

*Breathe me - Sia*